Ninguém foge do seu
destino!
FlávioMPinto
Ciro Magno fazia uma
longa caminhada entre o escritório e a garagem onde deixava o carro,
diariamente. Era sua rotina ao chegar e deixar o trabalho.
O início de outono em
Porto Alegre mostrava serem dias extremamente agradáveis, alegres, frescos e
ensolarados, em nada lembrando outros anos em que o frio já apresentava, no seu
primeiro dia, o seu cartão de visitas gelado antecipando o inverno.
Seus funcionários o
aconselhavam , seguidamente, a deixar o carro no prédio ao lado da empresa.
Seria muito mais prático, seguro e tranqüilo, mas recebiam a resposta de que
sentia confiante , seguro no trajeto e precisava fazer exercícios. Não dava
bola.
Não se considerava idoso
apesar de seus quase 60 anos bem vividos. Já conseguira tudo que almejava na
sua profissão de administrador de empresas. Sua firma gerenciava condomínios e
lojas na Grande Porto Alegre, tudo funcionando ás mil maravilhas sob a batuta
de Ciro Magno.
Naquela bela dia de
outono porto-alegrense, decidiu ir trabalhar pela manhã contrariando seu
expediente e rotina normal, que é na parte da tarde.
Algo o empurrou para fora
da cama e foi.
Próximo da hora do almoço
foi caminhar no calçadão mais movimentado da cidade. Bem próximo da esquina
Democrática foi ultrapassado por um trio de jovens bem alegres: duas moças e um
rapaz. Ficou muito impressionado por uma das garotas que trajava um vestido bem
justo, tubinho preto, curtinho até o meio das coxas , mostrando sua musculatura
bem torneada a cada passo . Seu cabelo bem pretinho mostrava um corte a la
Channel com uma franjinha muito sedutora.
Seguiu-os até o Rua da
Praia Shopping e depois os perdeu de vista.” Mas que coisa linda”, “É o meu número
exato”, pensava Ciro com medo de que alguém adivinhasse seus pensamentos.
Enquanto caminhava a moça não saía de seus pensamentos.
O tempo vai passando e
Ciro volta diversas vezes ao itinerário para ver se encontrava a moça, mas
nada.
Chega o verão e parte da
empresa se desloca para o litoral para gerenciar os condomínios e lojas.
Ciro decide ir para Capão
da Canoa e lá se estabelece num pequeno apartamento com todo conforto que tem
direito.
“ Agora é levantar cedo,
curtir o sol da manhã, e nada mais” pensava.
Já no primeiro dia a
praia lhe esperava de braços abertos, pois o mar estava calmo, morno, claro,
limpo e sem aquele irritante vento derrubando guarda-sóis a toda hora e jogando
areia para todo lado.
Mas era bem cedo,
temperatura ótima, sol suave, ninguém ainda na praia, nem os guarda-vidas haviam
se apresentado nas guaritas nem os pescadores madrugadores. Bem diferente
daquelas águas marrons espumantes e geladas e vento “nordestão” a salpicar a
pele dos banhistas com areia.
Estica-se numa cadeira e
adormece. Nem notou que chegara alguém bem ao seu lado e deixara uma cadeira,
um guarda-sol, uma toalha esticada na areia e uma bolsa. As marcas na areia
apontam para a água.
Pouco depois acorda
sobressaltado com uma visão esplendorosa: saía da água uma “deusa das águas”,
uma bela moça com um biquíni azul clarinho todo transparente e vem bem na sua
direção. Será a dona do material que fora colocado bem ao seu lado enquanto
dormia? pensa Ciro.
Era uma morena clara com
seu cabelo preto curtinho todo penteado para trás e um corpo escultural. Uma
imagem surreal e bela. Inacreditável!
Estavam sós bem perto da
guarita 49-B. Ninguém á vista.
Ainda surpreso, se dirige
á moça.
- Moça, seu namorado,
companheiro, marido ou coisa que o valha, lhe deixa sair assim na praia?
- Sabia que perguntarias
por isso. Mas fique tranqüilo que é só secar e volta á cor normal,disse a moça
tranquilamente, mas com tom firme e decidido.
“ Puxa, essa moça sequer
me conhece e se dirige a mim dessa forma?”
Ciro fez um verdadeiro
escaneamento do corpo escultural que estava á sua frente e ficaram por alguns
minutos estudando um ao outro sem palavras quaisquer enquanto a moça se secava
e se esticava na espreguiçadeira.
Quebrado o gelo,
conversaram sobre inúmeros assuntos. Amenidades, o tempo, a praia, a cidade, os
veraneios que passavam ali.....bons de conversa, numa empatia surpreendente,
não viram o tempo passar.
- Então, quer dizer,
estás sozinho aqui na praia?
- Sim, responde Ciro.
- Então me farás
companhia num jantar hoje á noite. Topas? Que tal?
- De muito bom grado
aceito. Mas onde te encontro?
- Sabes onde fica o
Jasmin?
- Sim, o apartamento onde
estou fica ao lado!
- Pois bem. Oito e meia
em ponto, está bem? Não se atrase, sou pontual, hein!?!?
- Antes, sou meio mal
educado: mas como é teu nome? Eu sou Ciro Magno, administrador de empresas, sou
de Porto Alegre.
- E eu sou Vani
Magdalena, também sou administradora de empresas e também de Porto Alegre. Mas
que coincidência?
E se despediram com um
forte aperto de mão com um caloroso “Até mais”.
Ficaram quase quatro
horas conversando e o tempo ainda parecia curto para aqueles recém
apresentados, tantos foram os pontos em comum através do papo interessante e
desapegado de interesses.
A tarde fora de
inquietação para Ciro, e também para Vani, pois nunca haviam encontrado alguém
que tão facilmente puxaram conversa e essa fluiu magistralmente bem por todos
os campos numa convergência de pontos inacreditáveis. A noite prometia muitas
surpresas.
Na praia, a noite se
apresenta mais fresquinha, mas continuava com céu limpo e agradável como
durante o dia, substituindo o sol forte pela luminosidade das estrelas e da
Lua.
Na hora e local marcados,
Ciro tem mais uma surpresa: via na sua frente, ao vivo e a cores, a jovem que o
impressionara na Rua da Praia, tempos atrás e que perdera de vista.
“ O que Deus está querendo
comigo?” pensava Ciro.” “Não acredito no que estou vendo” ao mirar a jovem com o mesmo vestido e
penteado que o impressionaram.
E já chegou falando.
- Não adianta me olhar
desse jeito. Não uso jóias e não sou nem um pouco vaidosa. Sou eu mesmo. Só uso
essa pequena correntinha que minha mãe me deu e relógio para não perder as
horas nos compromissos. Está bem?
- Concordo em gênero,
número e grau.
Entraram.
Vani continuava a
impressionar Ciro por seus posicionamentos claros e honestos nas mais diversas
áreas. Era jovem, tinha 25 nos, perdera a mãe logo que se formara em
administração de empresas e teve de assumir a firma. Colocaria em prática, com
sucesso, tudo que aprendera na faculdade. Diziam que ela tinha um talento
especial para lidar com pessoas.
Ciro já estava começando
a ficar “encucado” com essa moça e foi buscar no seu passado um caso que tivera
na fronteira com uma porto-alegrense, também chamada Vani. Fora levar sua irmã
para compras em Livramento-Rivera e tivera um tórrido romance com uma bela
administradora de empresas durante 5 dias. Depois nunca mais a vira. A memória
lhe trouxe lembranças que achava que estavam desaparecidas. Aqueles momentos
voltaram bem vivos.
“ Não é possível o que
está me acontecendo”, pensava Ciro.” Será o Benedito?”
Sua cabeça girava
enquanto Vani contava sua vida e ele estava a pouco mais de 20 anos atrás
catando momentos. E as coincidências continuaram na escolha do prato, na
apreciação das músicas ambientais e na bebida.
Quando ela disse que sua
bebida favorita era o vinho e possuía uma razoável adega, Ciro pensou-“ Fechou
tudo! O que essa garota quer de mim?Alguém me explique o que está acontecendo!”
Era incrível.
A noite passou rápida
assim como o dia. Pareciam amigos de longa data.
-Sexta tenho de voltar a
Porto Alegre para fazer uns exames de rotina. Colesterol, triglicerídeos, etc...
essas coisas.
- Eu também, falou Vani.
Vou no Laboratório Union, lá na subida da Petrópolis...
- Puxa, esse também é o
laboratório que vou, diz Ciro e ficaram rindo de mais uma coincidência.
Antes, Vani já havia dito
que seu nome fora dado por sua mãe para que encontrasse o pai no futuro.
Já em Porto Alegre, fazem
a coleta de sangue e uma semana depois Ciro é chamado com urgência no
laboratório.
-“ Sr Ciro, houve um
assalto aqui no dia seguinte ao seu exame, na semana passada, após vocês terem
coletado o material. Os ladrões bagunçaram tudo e só não entraram no
laboratório onde estão as provas dos exames, as coletas” falou o diretor da
clínica com tom muito sério. “ Eu o chamei aqui porque esses casos são sempre
tratados com o mais absoluto sigilo que a situação exige, pois não sabemos os
interesses que estão por trás disso....”
-“Mas , doutor, o meu
caso não é de sigilo e sim de um exame de rotina de colesterol, triglicerídeos,
plaquetas..não estou lhe entendendo.”
- “ Na bagunça que foi
feita, documentos foram trocados e acabamos de fazer um exame de paternidade no
seu caso e da Sra Vani Magdalena. E o erro é de aproximadamente 0,1%! Ela é
provavelmente sua filha.” Fala o médico num tom grave ante um Ciro atônito.
Prosseguindo, o médico
ainda afirma-“ Agora temos o resultado definitivo da análise: se foi uma troca,
ela realmente ocorreu, paciência, assumimos o erro, mas a análise é definitiva,
pois os exames naqueles materiais foram corretos! Vocês estavam na hora errada
no lugar errado”.
-“Não, não estávamos”,
falou Ciro relembrando que havia lhe passado nos últimas semanas após conhecer
Vani. Um breve filme lhe passou pela memória esclarecendo tudo.
O destino havia pregado
uma peça no pacato administrador de empresas. Como bom espírita, sabia que nada
era por acaso e começou a entender a situação quando viu Vani, pela ampla
janela envidraçada do consultório, entrar na clínica.
Mesmo ainda não sabendo
de nada, Vani lhe dá um caloroso abraço que diz o que Ciro estava imaginando.
-“ Você é minha filha,
Vani!”
- “ Eu já sabia, pai.
Desde o primeiro momento que conversamos presenti o desejo da minha mãe. Desde
o início acreditei que nada vem por acaso e não me decepcionaste nem na fé
espírita”.
O médico se desculpou
pelo erro, mas os cumprimentou pelo encontro.
Despediram-se e saíram da
clínica.
- “ Vamos aproveitar e ir
até uma igreja rezar por tua mãe”.
- “ Sim , ela deve estar
bem feliz, onde quer que esteja!”.
-“ Vamos aproveitar esse
tempo de calmaria e voltar a Capão neste fim de semana?”
- “ Sim, pai.
Aproveitando, joguei fora aquele biquíni. Comprei-o na Europa na última vez que
lá estive e só usei aquela vez quando te conheci.”
- “ Decisão sensata, filha”
Porto Alegre- Maio 2017